15 de jul. de 2011

Entrevista: Xico Sá, jornalista

Por Carolina Campos, José Pessoto, Roberta Chamorro e Sérgio Massao

Xico Sá escreve na Folha de S.Paulo, Correio da Bahia, Diário de Pernambuco e em revistas como a TPM e Trip. Faz participações no programa Rock Gol (MTV), Cartão Verde (TV Cultura) e atualmente faz parte do programa Saia Justa (GNT). Xico também é escritor de poemas e livros, como “Divina comédia da fama”, “Paixão roxa”, “Carta para você” e “Chabadabadá”. Sem papas na língua, o cearense falou sobre política, cidadania, futebol e a cultura do “pão e circo”. “O circo é a necessidade humana de ter um pouco de entretenimento, e isso não impediria de ter conscientização”.   

"As pessoas só correm atrás quando bate no bolso"
(Arquivo pessoal)

Hipertexto: O que você achou do fato de o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, dar ponto facultativo aos funcionários públicos para irem à greve em favor dos interesses do próprio em 2010?

Sá: Foi uma das piores coisas que já se viu, fato quase inédito! Há muitos casos de governos incentivando algumas greves de setores, para melhor poder negociar. Já vi governos incentivando greve de metroviários para ter uma justificativa e arrumar “parcerias”. Já vi todo tipo de greve, mas greve com ponto facultativo foi a primeira, totalmente inédita. Mais do que populista, é sem precedentes. Isso está acontecendo também pelo desmantelo dos sindicatos que vivem um momento de descontrole, estão muito fragmentados e há várias lideranças. Não é só uma irresponsabilidade do governo, mas também do momento, um momento em que os sindicatos estão muito fragilizados. Eu acho que os sindicatos foram muito para dentro dos governos. Vivemos o desmantelo dos sindicatos, tanto de funcionários públicos, como de operários, um momento de fragilidade total. Os sindicatos ficaram muito poderosos dentro do governo e não fora. O Cabral é o exemplo mais radical disso tudo, fragilizado pela parte dos funcionários e muito coniventes com os governos, tanto estaduais quanto regionais.

Hipertexto: E você acha que o futebol é mais um esporte ou um produto comercial?

Sá: Hoje é um esporte explorado até as últimas consequências pelo comércio, mas ele é mais esporte quando é mais da várzea, mais amador. Se você chega à Champions League ou mesmo ao Campeonato Brasileiro, você tem um produto de verdade para ser vendido, tem jogadores para serem vendidos, eles são rateados, uma perna de um mercado, outra do empresário, são vários grupos que são donos dos jogadores. Então você tem muito comércio. Antes, você tinha o picareta do futebol, que era o cartola que vivia daquilo, hoje não. Hoje tem uma rede que faz linguiças que achou bom comprar, por exemplo, o Neymar. Achou um melhor investimento do que só fazer linguiça, então o futebol virou uma commodity, uma moeda mesmo de venda pesada, e, já que tem isso, acho que teria que ter um baita futebol e não joguinho, porque com todo esse dinheiro de investidores, e detalhe, um ingresso nunca foi tão caro no Brasil. O ingresso mais barato é R$60, meia R$30. Para eles terem esse ganho todo e mais os patrocínios de manga das camisas, calção, venda de passe, teria e deveria ser um show permanente. Mas, se você pegar a média do salário do jogador brasileiro, mal dá um salário mínimo ou 600 e poucos reais. É que focamos nessas histórias da elite, mas a maioria dos jogadores passam a metade do ano sem jogar, sem receber e têm que ter um segundo emprego. Então esse circo é mais para a primeira divisão, porque a maioria ganha uma miséria. Esse estágio de profissionalização é restrito apenas aos da elite.

Hipertexto: Você que tem contato com o Sócrates, que foi um dos idealizadores da Democracia Corintiana e contribuiu para as Diretas Já. Você acha que tem que aparecer alguém para mudar a cara da política futebolística? E você acha que deve aparecer alguém do próprio futebol ou pessoas de várias áreas que possam contribuir?

Sá: O ideal seria alguém de dentro, no caso o Sócrates, Casagrande e outros. O interessante disso é que muita gente teve a consciência de democracia por conta de ouvir Democracia Corintiana. O massagista, o roupeiro e ele mesmo, o Sócrates, o craque, tinham o mesmo direito ao voto nas decisões do clube. Se fossem mudar de camisa, era colocado em votação de todos, é um grande exemplo pedagógico. Uma geração inteira aprendeu democracia através do Corinthians, ao invés de em um livro didático na escola. Deveria ser alguém de dentro do futebol, sim, mas essa é a categoria mais submissa que existe no país, são cordeiros, existem alguns sindicatos, mas não têm força, porque os jogadores são muitos submissos. Se o clube proíbe que eles falem, eles não falam. Aqui os caras atrasam oito meses de salário e os caras se sujeitam, por medo de cair em clubes pequenos e não trabalharem o ano inteiro. O ideal era alguém de dentro mudar isso, mas eu acho que há possibilidade zero de ocorrer mudanças.

Hipertexto: Esse fanatismo por futebol nasceu naturalmente, falando em Brasil?

Sá: Para mim não existe fanatismo no Brasil, na Europa é muito mais. Os Ingleses são absurdos, são um milhão a zero mais fanáticos que nós, eles bebem mais, são mais fanáticos e no histórico de mais violência eles são os que mais aprontaram também. As maiores tragédias foram na Inglaterra. As nossas torcidas organizadas perto dos Hooligans são trombadinhas, aprendizes, mas lá tem leis muito rígidas e os caras que fazem coisa errada são banidos dos estádios, então, a diferença talvez seja essa. Aqui não conseguimos ter uma solução com um público inteiramente mais cordial do que o inglês. Lá, continuam bebendo nos estádios e aqui foi proibido. Eles conseguiram reduzir muito o nível de violência, aqui não se bane ninguém. A diferença está na impunidade. Mesmo na Roma Antiga tinha gente que torcia pelo leão, ou pelo cara que tinha que se salvar. Alguns povos estão tão ferrados que em alguns momentos precisam disso, como dependem da religião em momentos que estão fragilizados. Essa sociologia não é fácil de ser solucionada, é totalmente furada achar que é o ópio do povo. Há momentos em que o governo utiliza-se mais disso, como na ditadura, que era muito mais usado como controle: o Zagallo era chamado no Palácio, se reuniam e eram impostas as convocações. Hoje vivemos em um governo zoneado, mas é a mesma coisa desde 1958: em todos os governos, se a seleção ganha, sobe no Palácio. O ritual é o mesmo, mas tem os casos mais absurdos, como o do Maluf, que deu um fusca para cada jogador com o nosso dinheiro nos anos 70, um dos casos mais estúpidos.

Hipertexto: Se um noticiário publicar uma notícia de fraude e em seguida uma vitória da seleção, você acha que a primeira é digerida com maior facilidade?

Sá: Se você divulgar uma notícia de fraude em época de Copa, a chance de ela vingar é zero. Mas, acontece isso no Carnaval também, para a grande massa isso vai passar batido. Mas não dá para levar em conta apenas a classe. Tem torcedores da classe A que não são esclarecidos, pensam no clube e em nada mais. Dizendo melhor, não é a grande massa analfabeta, mas sim a grande massa não esclarecida, que acaba não ligando muito para algo, e sim para outra coisa menos importante. Nesses megaeventos é impossível competir.

Hipertexto: E como você acha que um resultado influi em um torcedor? Tirando base em você mesmo, muda algo?

Sá: Muda tudo. inclusive teve uma pesquisa americana que dizia que mudava sexualmente, o índice de testosterona aumenta. Fizeram exames com torcedores de várias seleções durante a Copa de 94, provaram que os caras se sentiam mais viris quando seu time ganhava. Para o homem é o fim do domingo: se o time perde no clássico, não tem pizza. Em São Paulo, onde o Corinthians é o time da grande massa, a cidade funciona melhor quando o Corinthians ganha: o cafezinho vem mais quente, a cerveja vem mais gelada e tem uma influência geral. Uma pesquisa dos anos 80 dizia que as faltas no trabalho estavam ligadas à derrota do time. Se você for perceber, muda tudo: o humor, o comportamento, no namoro, na produção, é algo violentíssimo. Você já viu algum torcedor de vôlei assim?

Hipertexto: A população tem plena consciência dos problemas sociais do mundo e do Brasil. De onde vem essa ideia de incapacidade de alterar as coisas por aqui?

Sá: Têm consciência. Se reagem ou não, é outra coisa. Realmente, esse é um dado muito forte por aqui. Aí eu não creio que o futebol que anestesie isso. Se eu fosse arriscar, eu diria que é educação, falta de conhecimento, do rico ou do pobre. E, pior, a mesma pessoa que não reclama dessas coisas importantes vai lá reclamar da geladeira que comprou que tem um defeito, vai lá e cobra. O Brasil teve uma baita educação de consumidor e não teve de cidadão. As pessoas só correm atrás quando bate no bolso e não percebem que são elas que bancam essa parte pública de educação, saúde e transporte também.

Hipertexto: O futebol é pão e circo da contemporaneidade?

Sá: É, mas não só o futebol. Acho que há um conjunto de coisas que acabam sempre exercendo essa função. Essa parte do circo sempre vai ter, pode ser o “britpop inglês”, pode ser o futebol do Brasil ou pode ser o axé music. Acho que pão e circo são universais. Alguém do império romano inventou isso e seguimos utilizando estes métodos, pão e circo para compensar. Acho que os governos se utilizam e vão se utilizar disso. Acho que não é só futebol, é o país: tanto a música boa como a música ruim, tanto o axé quanto qualquer outra música dita de qualidade. O circo é a necessidade humana de ter um pouco de entretenimento, e isso não impediria de ter conscientização.  O povo que foi para o Woodstock nos anos 70 estava brigando por alguma coisa, mas quer circo maior que o Woodstock? O problema é que não tem a conscientização. É por falta de educação e não por ter circo em excesso.

Hipertexto: E o que é melhor: um gol maravilhoso nos últimos segundos finais de um jogo ou um político corrupto ser preso?

Sá: Depende de quantos dias ele vai ficar na cadeia. Se for para sair no dia seguinte, eu prefiro o gol!

Hipertexto: O mundo vai mudar?

Sá: Olha, não vou falar em ter uma revolução, mas as mudanças vão ser em nichos, todas serão assim daqui para frente, em qualquer lugar do mundo. Eu acho que tem revoluções, tem trabalhos sociais, tem coisas para fazer. Será a revolução em nichos e as coisas vão sendo alteradas. 

6 de jul. de 2011

Programa "O Intervalo" já pode ser assistido


O Programa “O Intervalo”, postado em nossa página de arquivo como produções audiovisuais conta com informações, entretenimento, dicas e cultura e já pode ser acessado por qualquer internauta. Vale lembrar que “O Intervalo” é um programa inteiramente produzido por alunos do curso de jornalismo da Universidade Cruzeiro do Sul.
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